1. |
||||
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo,
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
|
||||
2. |
Pequena ode mineral
05:07
|
|||
Desordem na alma
que se atropela
sob esta carne
que transparece.
Desordem na alma
que de ti foge,
vaga fumaça
que se dispersa,
informe nuvem
que de ti cresce
e cuja face
nem reconheces.
Tua alma foge
como cabelos,
cunhas, humores,
palavras ditas
que não se sabe
onde se perde
me impregnam a terra
com sua morte.
Tua alma escapa
como este corpo
solto no tempo
que nada impede.
Procura a ordem
que vês na pedra:
nada se gasta
mas permanece.
Essa presença
que reconheces
não se devora
tudo em que cresce.
Nem mesmo cresce
pois permanece
fora do tempo
que não a mede,
pesado sólido
que ao fluido vence,
que sempre ao fundo
das coisas desce.
Procura a ordem
desse silêncio
que imóvel fala:
silêncio puro.
De pura espécie,
voz de silêncio,
mais do que a ausência
que as vozes ferem.
|
||||
3. |
Canção
04:29
|
|||
4. |
A moça e o trem
04:16
|
|||
O trem de ferro
passa no campo
entre telégrafos.
Sem poder fugir
sem poder voar
sem poder sonhar
sem poder ser telégrafo.
A moça na janela
vê o trem correr
ouve o tempo passar.
O tempo é tanto
que se pode ouvir
e ela o escuta passar
como se outro trem.
Cresce o oculto
elástico dos gestos:
vê planta crescer
sente a terra rodar:
que o tempo é tanto
que se deixa ver.
|
||||
5. |
O poeta
05:14
|
|||
6. |
A bailarina
04:53
|
|||
A bailarina feita
de borracha e pássaro
dança no pavimento
anterior do sonho.
A três horas de sono,
mais além dos sonhos,
nas secretas câmaras
que a morte revela.
Entre monstros feitos
a tinta de escrever,
a bailarina feita
de borracha e pássaro.
Da diária e lenta
borracha que mastigo.
do inseto ou pássaro
que não sei caçar.
|
||||
7. |
Cemitérios pernambucanos
07:06
|
|||
8. |
Janelas
05:45
|
|||
9. |
O vento no canavial
08:09
|
|||
Não se vê no canavial
nenhuma planta com nome,
nenhuma planta maria,
planta com nome de homem.
É anônimo o canavial,
sem feições, como a campina;
é como um mar sem navios,
papel em branco de escrita.
É como um grande lençol
sem dobras e sem bainha;
penugem de moça ao sol,
roupa lavada estendida.
Contudo há no canavial
oculta fisionomia:
como em pulso de relógio
há possível melodia,
ou como de um avião
a paisagem se organiza,
ou há finos desenhos nas
pedras da praça vazia.
Se venta no canavial
estendido sob o sol
seu tecido inanimado
faz-se sensível lençol,
se muda em bandeira viva,
de cor verde sobre verde,
com estrelas verdes que
no verde nascem, se perdem.
Não lembra o canavial
então, as praças vazias:
não tem, como têm as pedras,
disciplina de milícias.
É solta sua simetria:
como a das ondas na areia
ou as ondas da multidão
lutando na praça cheia.
Então, é da praça cheia
que o canavial é a imagem:
vêem-se as mesmas correntes
que se fazem e desfazem,
voragens que se desatam,
redemoinhos iguais,
estrelas iguais àquelas
que o povo na praça faz.
THE WIND IN THE CANEFIELD
There is in the canefield
no plant with a name,
no plant called Maria,
no plant with a man´s name.
The canefield is anonymous,
plain-faced like the prairie,
like an ocean without ships,
a blank sheet of paper.
It is like a large bedsheet,
seamless and creaseless, a girl´s
downy skin in the sunlight,
cloths spread out to dry.
Yet hidden in the canefield
there is a physiognomy,
as in a watch´s ticking
there is a potential melody,
as from a plane the landscape
reveals an organization,
as bricks in an empty plaza
can trace a graceful pattern.
The canefield stretched out
under the sun, an inanimate
fabric, becomes a feeling
sheet when the wind is blowing;
It changes into a living
flag of green on green,
with green stars born
and lost in the greenness.
The canefield then no longer
resembles empty plazas:
it does not have, like stones,
the discipline of armies.
Its symmetry is jagged,
like that of waves of people
vying in the crowded plaza.
Yes, the teeming plaza
is what the canefield mirrors
with its currents that likewise
arise and subside —
Undercurrrents which, surging,
make whirlpools like the ones
crowds form, stars like those
the people in the plaza compose.
|
Nando Michelin & Ebinho Cardoso recommends:
If you like Nando Michelin & Ebinho Cardoso, you may also like:
Bandcamp Daily your guide to the world of Bandcamp